Publicada em 27/06/2009 às 17:21 – EXTRA ON LINE
Secretaria de Educação prepara programa inédito para recuperar 23 mil alunos de 150 escolas em áreas de risco do Rio
Letícia Vieira - Extra
Em Paciência, as dificuldades de aprendizado dos alunos da Escola Municipal Marechal Pedro Cavalcanti são superadas com muita criatividade. Desde 1998, os professores romperam com o tradicional formato de quadro negro e giz para levar aos cadernos o cotidiano das crianças. Um esforço para mudar o dia a dia de uma escola em que 38,1% dos alunos do 6º ano necessitam de reforço escolar e 21,5% precisam ser realfabetizados. Uma realidade não muito diferente de outros 149 colégios localizados em áreas de risco que vão levar um choque de ordem da Secretaria municipal de Educação (vídeo: professor de matemática dá aula inovadora) .
- Recebemos alunos que, na segunda-feira, desmaiam em sala, porque não almoçaram nem jantaram, ou passaram o fim de semana com medo de levar um tiro. Para fazer trabalho de leitura, damos um tema, fazemos com que o aluno transforme a realidade de violência em que vive, crie um projeto de vida e escreva sobre ele - diz o professor Maurício Assad.
Bônus para professores
Escolas como a de Paciência, que precisam superar as barreiras impostas nas áreas sujeitas à violência, começam a se preparar para garantir um atendimento especial a seus alunos, a partir de agosto. Elas fazem parte do projeto Escolas do Amanhã, que vai fazer com que as crianças com maiores dificuldades de aprendizado permaneçam mais tempo na escola. Para este desafio, o programa prevê também um bônus para os professores.
Com recursos do programa Mais Educação, do Ministério da Educação (MEC), as unidades vão contratar educadores comunitários, que vão apoiar as novas atividades. A tarefa não é fácil: nesse universo, 19,2% dos estudantes leem textos curtos, mas não conseguem interpretá-los nem usar a escrita em seu dia a dia na escola.
A Escola Marechal Cavalcanti já se organiza para ampliar atividades que oferece no horário regular. Estão programadas oficinas de roda de leitura, jogos matemáticos, dança, teatro, esportes, artes, aulas de flauta, além de noções de higiene e saúde.
Horário integral
A unidade vai trabalhar ainda em horário integral para os alunos do 6 ano.
- Como professor de matemática, dou aula de geometria básica só cortando papel. Outro professor dá aulas de flauta na hora do seu almoço - conta o professor Maurício.
A família dos alunos também vão participar das atividades. Nos fins de semana, o colégio dará oficinas aos pais. A dona de casa Cristiane Santos Carvalho, de 37 anos, não precisou esperar o início do projeto. Ela já faz parte de um coral junto com os filhos:
- Vi uma oportunidade de fazer algo com que sonhava.
Especialistas sugerem mudanças
Especialistas procurados pelo EXTRA reconhecem que o projeto Escolas do Amanhã é válido pela criação de uma iniciativa voltada para o atendimento das escolas que têm necessidades diferentes da maioria da rede, mas fazem críticas a sua implementação.
O professor Marcelo Burgos, do Departamento de Sociologia da PUC-Rio, responsável por uma pesquisa sobre escolas em áreas de risco, acredita que a medida deveria mobilizar os pais de alunos e os demais representantes da comunidade escolar.
- Essa política veio muito rápido, é válida, mas, tratando-se da escola, é importante valorizar os atores: professores, pais, alunos e funcionários de apoio. Uma família empenhada e em sintonia com a escola pode trazer bons resultados - diz Burgos.
Única metodologia
O coordenador do Observatório Jovem da Universidade Federal Fluminense (UFF), Paulo critica a existência de um método de ensino único para o projeto:
- Fiquei incomodado com a existência de um método único (Uerê-Mello, que instrui os professores a lidar com bloqueios de aprendizado provocados pela violência) para um conjunto grande de escolas. A rede municipal tende a reagir mal a políticas que não foram implementadas pelo diálogo.
Desempenho inferior nas avaliações
O desafio de melhorar o aprendizado nestas 150 escolas não será pequeno. Avaliações feitas nos alunos em março mostram que os colégios selecionados para o projeto Escolas do Amanhã tiveram desempenho inferior às demais unidades da rede municipal do Rio. O percentual de estudantes considerados analfabetos funcionais é maior nesses colégios localizados em áreas de risco.
Enquanto as demais escolas da rede têm 13,5% de analfabetos, o índice nas escolas do projeto é de 19,2%. Já a necessidade de reforço em português e matemática é de 23,4% na rede, e de 27,75% nas 150 escolas.
Maior taxa
As diferenças também acontecem entre as regiões onde estão localizadas as escolas. A 6 Coordenadoria Regional de Educação (CRE), que abrange os bairros do Irajá a Anchieta, tem o maior percentual de alunos considerados analfabetos funcionais (24,1%). A menor taxa está na 9CRE (Campo Grande, Cosmos e Santíssimo), 13,4%.
Para a coordenadora do Mais Educação, Jaqueline Moll, a expectativa é que o projeto amplie os horizontes de conhecimento dos alunos:
- Espero que o programa ajude a impactar os contextos de vulnerabilidade e abra portas para o mundo do conhecimento, esportes e cultura.